5 de agosto de 2010

Ficha limpa do Idioma: Como mudanças de português podem ser usadas para alterar o sentido de uma lei

A mudança de um tempo verbal por pouco não criou um carnaval político no Brasil. O projeto de iniciativa popular que impede a candidatura de políticos condenados pela Justiça, o Ficha Limpa, foi aprovado pelo Senado em 19 de maio e sancionado pelo presidente Lula em 7 de junho. Tudo ia bem quando, depois de aprovada a lei, uma emenda de última hora alterou um mero tempo verbal do projeto original.

Com a alteração, aquela que era uma garantia de proteção da sociedade parecia virar pizza, com a suspeita de que o texto passava a livrar a cara dos políticos condenados antes da sanção e publicação do Ficha Limpa. A polêmica durou até 17 junho, quando o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, por 6 votos a 1, pela inelegibilidade de políticos condenados antes da lei. O caso, no entanto, foi linguisticamente confuso o bastante para levar o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, a consultar especialistas em semântica.

O projeto original dizia que seriam inelegíveis os políticos que "tenham sido condenados" e os que "foram condenados" pela Justiça. Para "uniformizar o texto", diz o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), seu colega Francisco Dornelles (PP-RJ) criou emenda que alterou o texto para "os que forem condenados".

Não é o primeiro caso de mudança de português que, cosmética na superfície, transforma um texto legal (ver quadro). Mas é o primeiro relevo eleitoral dado a um tempo verbal.

Professora da USP especialista em fonologia e morfologia, Rosane de Sá Amado diz que, ainda que na maior parte das alíneas o tempo flexionado seja o futuro do subjuntivo (o que implica só atos ocorridos após a adoção da lei), em outras o tempo foi o pretérito perfeito do subjuntivo (e faz valer a lei para atos anteriores à sua promulgação).

O subjuntivo de "que forem condenados" aponta hipótese de que algo ocorrerá. Na prática, deixava políticos já condenados livres para se candidatarem.

(...)
 
Fonte: Revista Língua Portuguesa
 
Se quiserem ler o artigo inteiro, cliquem aqui.

0 comentários: