23 de setembro de 2010

Recall de Livros – a maturidade do mercado editorial

Recall de Livro – Atenção Senhores Leitores – Gostaríamos de comunicar que estamos realizando recall do livro… devido a falhas de narrativa. O autor reviu a história e concluiu que da pagina 178 em diante existem dois assassinatos, quatro declarações de amor, duas cenas de sexo e uma condenação judicial que depõem contra a grandeza do romance. Solicitamos a todos que entrem em contato com a editora e troquem a mercadoria. Informamos também que na nova narrativa, a protagonista não mais se suicida, abandona sua casa em Nova York e decide abrir um salão de beleza para gatos siameses na Mongólia. Eventuais prejuízos com a aquisição do livro serão ressarcidos pela Editora. Pedimos desculpas pela nossa falha e pela incompetência do autor. Obrigado. PS.: Informamos também que o autor passa bem, depois da sua quarta tentativa de suicídio."
Embora o texto acima seja pura ficção, não será espanto se esse tipo de situação vier a ocorrer um dia. A quantidade de recalls (chamada para realização de trocas) que ocorre hoje em vários tipos de indústrias nos faz pensar que em breve podemos ver essa comunicação estampada nos jornais, claro que sem o humor nonsense proposto acima. Casos de recall de livros ainda são raros, mas já existem, por inúmeros motivos, sendo mais comuns as falhas do objeto-físico-livro que podem colocar os usuários em risco (principalmente as crianças). Mas este ano, a Oxmoor House (editora norte-americana com mais de trinta anos de existência) comunicou o recall de quase um milhão de livros (nove títulos) por causa dos erros que poderiam levar o famoso “faça-você-mesmo” ser arriscado, induzindo os leitores a cometer erros durante a instalação ou reparação de fiação elétrica. Os diagramas técnicos expostos nos livros poderiam levar os leitores a passarem por situações de risco de incêndio ou choque elétrico. Até a data da publicação do recall (janeiro), a CPSC – Consumer Product Safety Commission (órgão encarregado de proteger o público de riscos excessivos) informou que não existiam casos de incidentes reportados. Ponto para a editora, que se antecipou ao problema, e ponto para a CPSC, que acompanhou e legitimou o processo.

Normalmente um recall, em qualquer área, ocorre para que riscos sejam evitados, principalmente os riscos morais (que normalmente envolve a credibilidade da empresa, ou do autor) e os riscos judiciais (indenizações). As áreas de marketing sempre estão atentas também ao que chamam de Marketing Viral, ou seja, um erro, ou a possibilidade de que ele ocorra, pode passar adiante uma mensagem (consumidor a consumidor) “contaminando” uma massa de usuários, causando com isso estragos de credibilidade que podem “danificar” a marca. Para evitar que isso ocorra, as empresas estão atentas, realizando recall de produtos quando sentem que o prejuízo posterior pode ser muito maior do que a troca do mesmo. Com a Internet o conceito cresceu, se potencializou e chegou até a indústria editorial com mais densidade.

Em 2008, a editora Companhia das Letras anunciou um recall do livro O Fazedor, de Jorge Luis Borges, quando percebeu que havia 12 erros de grafia em poemas publicados em espanhol (a edição trazia também a tradução dos textos em português). Foi a primeira vez que a editora fez um recall. Pelo número de erros poderia ter optado por colocar uma “errata” (adesivo inserido no livro), comum no mercado editorial, mas segundo informou o editor Luiz Schwarcz à Folha de São Paulo na época (Folha Ilustrada – 30/06/2008), mesmo sendo o custo do recall mais elevado, a editora não queria deixar que essa edição contivesse qualquer errata. Este mês, a Editora Planeta anunciou um recall do livro A Princesa de Gelo, da autora sueca Camila Läckberg, por identificar erros de revisão, sendo que a nova edição deverá chegar ao mercado nos próximos meses. No comunicado oficial a editora pediu desculpas e reconheceu o erro de revisão. Em 2006, outra editora norte-americana, a Little, Brown Book Group, retirou das livrarias dos EUA o livro How Opal Mehta Got Kissed, Got Wild and Got a Life, depois que a autora do romance, Kaavya Viswanathan, confessou ter passagens no livro que foram totalmente copiadas de outra escritora (Megan McCafferty). Um excelente exemplo para mostrar que os autores não estão acima do bem e do mal, e que as editoras estão atentas as inconsistências de conteúdo, principalmente no que se refere a direitos autorais.

O recall de livros não só chegou como deve ser ampliado ainda mais com as facilidades dos livros digitais, o que mostra maturidade e responsabilidade do mercado editorial. Erros, imperfeições, deslizes e equívocos ocorrem em todas as áreas da natureza humana, eu mesma posso o estar cometendo aqui, agora, escrevendo este post. Mas tenho orgulho de fazer parte da cadeia de produção editorial, que lida com conteúdo, opinião e cultura. O crescimento desse mercado acontece também porque seus líderes estão cada vez mais cientes da enorme importância que tem a ética nos negócios culturais.

Fonte: Blog da Cultura

1 comentários:

Anônimo disse...
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