30 de julho de 2010

Por outro lado

Quando Arquimedes notou que podia flutuar numa banheira e saiu nu gritando “eureka”, ele havia acabado de descobrir uma lei da física. Quando Newton recebeu a mação no nariz, ele deve ter sentido coisa parecida: acabava de descobrir a Lei da Gravidade.

A alegria que Arquimedes e Newton sentiram não se compara com a exaltação do primeiro redator que, no início da modernização dos textos de jornal, descobriu a fórmula para unir o lead ao sublead.

Para quem não está por dentro dessas murmunhas da redação, convém explicar. O jornalismo dito moderno, que chegou ao Brasil no final dos anos 40, estabelecia que a matéria deveria começar pelo mais importante e pela maior novidade. Era o lead, o parágrafo que lidera o texto. Logo depois devia vir o sublead, ou seja, o assunto que em importância ou novidade merece vir logo depois do lead.

Até aqui, tudo bem. O diabo era unir os dois parágrafos, geralmente de quatro ou cinco linhas. No restante do texto, aqueles assuntos voltariam, o destaque era apenas para prender o leitor, interessá-lo com a importância ou a novidade da notícia. Até que o Arquimedes de plantão, o Newton do copidesque descobriu a fórmula “por outro lado”.

Nesse outro lado, cabiam as coisas mais disparatadas. Exemplo: “O ministro da Saúde proibiu a venda das vacinas compradas na Bolívia que estão matando as criancinhas do Nordeste. Por outro lado, o playboy Jorginho Guinle recebeu telegrama de Frank Sinatra cumprimentando-o pelo seu aniversário”.

Pronto. Estava feito o mais difícil da matéria. Desse momento em diante, o “por outro lado” saiu das redações e começou a ser usado por presidentes, economistas, técnicos em problemas afro-asiáticos, donas de casa que dão aulas de culinária. Quando fui editor de jornal e recebia textos com essa expressão, chamava o redator e dizia: “Olha, é por esse lado mesmo”.

CONY, Carlos Heitor. Folha de São Paulo. 28.1.1997

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